Movimento Combinado – ESTUDO DE CASO – COLUNA CERVICAL

     O seguinte estudo de caso ilustra como a utilização do conceito movimento combinado pode ser útil tanto no diagnóstico quanto no tratamento de sintomas cervicais de origem mecânica.
 
História
     Dona Joaquina, 43 anos, professora de ensino médio, se apresentou na clínica queixando-se de dor insidiosa na região supraescapular direita. Começou a perceber os sintomas depois de uma semana quando assumiu novas turmas. Fizeram 21 dias desde esta mudança de atividade. Relatou que seu principal problema é quando precisa escrever no quadro (destra), principalmente por períodos prolongados. A paciente também queixa-se da dor para estacionar o seu carro do lado direito.
 
     Nega a presença de rigidez matinal prolongada, presença de paraestesias ou distúrbios somatosensoriais (vertigem, tontura, etc). Descreve sua dor como sendo ´chata´, de difícil localização e indica 6/10 na escala verbal de dor (EVD sendo 0 – nada e 10 – máxima dor) quando realiza os movimentos provocativos .
 
     A medicação analgésica e anti-inflamatória prescrita surtiu pouco efeito nos sintomas.
História pregressa inclui episódios de dores lombares inespecíficas ocasionais, para as quais nunca procurou auxílio médico.
 
Inspeção física
     Tendo em vista a ausência de yellow e/ou red flags, baixa irritabilidade, moderada severidade, assim como ausência de sinais e sintomas sugestivos de comprometimento neural, julgou-se apropriado conduzir uma avaliação física completa do quadrante superior para identificação da provável fonte nociceptiva e estabelecimento do diagnóstico.
 
     A paciente apresentava relativa boa postura do quadrante superior, testes neurodinâmicos se encontravam normais. Os músculos da região cervical não apresentavam encurtamento relevante ou presença de pontos gatilhos que reproduzissem a dor familiar. Testes de quadrante e travamento (locking) do ombro se encontravam normais.
 
     A avaliação da mobilidade cervical ativa demonstrou: 1) rotação cervical direita e extensão estavam reduzidas em 50% sendo que a primeira graduava EVD 3/10  e a segunda EVD 4/10; 2) a utilização de movimentos combinados (Edwards 2002, Edwards 1999) de extensão e rotação direita reproduziu mais fidedignamente a dor da paciente, provocando EVD 7/10.
 
     Ambos os movimentos de rotação direita e extensão e a combinação destes produzem um deslizamento caudal das facetas articulares direitas. Em movimento combinado, esta resposta obtida durante o exame ativo-assistido é denominada como um padrão de disfunção compressivo.
 
     As informações subjetivas e objetivas obtidas até este ponto da avaliação apontavam para a presença de uma disfunção mecânica cervical com provável envolvimento das articulações facetárias da coluna cervical. Sendo assim, decidiu-se aplicar um movimento acessório intervertebral passivo posteroanterior caudal (PA) sobre as facetas articulares cervicais direitas na posição combinada de extensão e rotação direita com a paciente em prono (figura 1). Ao aplicar esta técnica de movimento combinado sobre C5 (Edwards 2002, Edwards and Maitland 2006, McCarthy 2010), observou-se que a mesma reproduziu completamente a dor da paciente (EVD 6/10) e se encontrava hipomóvel quando comparada com as demais.
 
Imagem
 
Figura 1 – PA unilateral direita em extensão e rotação direita
 
     De acordo com o conceito movimento combinado, o efeito biomecânico da aplicação da PA unilateral direita mencionada acarreta em um deslizamento inferior da faceta articular direta de C5 sobre C6, fechando ainda mais este segmento.
 
Mini-tratamento
     Uma prática clínica comum entre fisioterapeutas manipulativos é a aplicação de um mini-tratamento, seja ele articular, muscular ou neural, de forma a auxiliar o raciocínio clínico para facilitar tanto no diagnóstico quanto no tratamento de uma disfunção musculoesquelética.
 
     Tendo em vista os achados subjetivos e objetivos indicativos de uma disfunção articular cervical, decidiu-se pela aplicação de um movimento intervertebral acessório passivo anteroposterior à direita de C5 em uma posição de leve extensão e rotação direita (figura 2).
 
     Este movimento também produz um movimento caudal de C5 sobre C6 e foi realizado de forma indolor. A técnica foi aplicada por cerca de 60 segundos e observou-se, após a aplicação, que a rotação direita e a extensão melhoraram em 50%, assim como a PA unilateral direita de C5 estava com mobilidade normal, produzindo uma leve dor (EVD 2/10).

 Imagem

Figura 2 – AP direita em leve extensão e rotação direita
 
     Sendo assim, a técnica foi aplicada mais duas vezes por 60 segundos. Na reavaliação, a rotação direita e extensão estavam completas com um leve desconforto no final da ADM; a PA unilateral direita sobre C5 não mais produzia dor e a mobilidade estava restaurada. A paciente negou a presença de algum desconforto decorrente do tratamento.
 
Tratamento 2
     Dona Joaquina retornou conforme solicitada para reavaliação e continuação do tratamento após 3 dias. Ela relatou ausência completa dos sintomas nas 36 horas após a consulta inicial e negou a presença de desconforto horas após o tratamento ou na manhã seguinte. Os sintomas retornaram parcialmente apenas e a paciente disse sentir `a coluna mais flexível´ obtendo uma melhora geral de 50%.
 
     Na reavaliação observou-se uma leve regressão da mobilidade ativo-assistida (75% da ADM livre de dor) atingida ao final da última sessão e a PA unilateral direita sobre C5 se encontrava ligeiramente hipomóvel e produzia uma EVD 2/10.
 
     Devido ao resultados positivos obtidos, decidiu-se manter a técnica e reaplicar três séries de um minuto (figura 2), porém com a cervical em extensão e rotação direita completas. Logo após a execução desta, três séries de trinta segundos de uma mobilização intervertebral fisiológica passiva de C5 sobre C6 foi realizada (figura 3).
 
     Nesta técnica C6 é bloqueada pela mão direita e C5 é conduzida em extensão e mobilizada em rotação direita.

 Imagem

 Figura 3 – Rotação direita em extensão
 
     Na reavaliação a mobilidade ativa se encontrava restaurada e livre de dor, a PA unilateral direita sobre C5 estava com mobilidade normal e sem dor. A paciente negou a presença de qualquer sintoma decorrente do tratamento.
 
     A paciente foi instruída a realizar uma série de 10 repetições de um exercício envolvendo extensão e rotação direita que deveria ser realizado várias vezes ao longo do dia.
 
Tratamento 3
     Após uma semana, a paciente retornou para reavaliação dizendo estar 90% melhor. Sentia apenas leve desconforto(EVD 1/10) no final da jornada de trabalho. Disse ter sentido que os exercícios indicados auxiliaram na evolução de seu quadro.
 
     Na reavaliação tanto a rotação direita quanto a extensão estavam completas e provocavam apenas desconforto (EVD 1/10) e a PA unilateral direita sobre C5 estava com mobilidade normal e sem dor.
 
     As técnicas realizadas na última consulta foram repetidas. Ao final da sessão a paciente estava sem restrição ou dor na mobilidade ativa.
 
     Dona Joaquina recebeu alta e foi solicitada a continuar realizando os exercícios de maneira menos intensa por mais uma semana.
 
Conclusão
     Este estudo de caso demonstrou como o conceito movimento combinado pode ser uma ferramenta útil na identificação de uma fonte nociceptiva cervical e como ele proporciona uma progressão lógica e rápida na resolução de uma disfunção cervical mecânica muito comum em clínicas de fisioterapia.
 
 
 
Prof. Ms. Rafael Baeske
Professor do curso de Movimento Combinado
do Grupo FisioWork®
 
Fisioterapeuta;
Mestre em Terapia Manual pela Universidade de Coventry, Inglaterra;
Membro da Musculoskeletal Association of Chartered Physiotherapists (MMACP);
Certificação Internacional em Movimento Combinado – Reino Unido;
Instrutor certificado e aprovado do Método Kinesio Taping (KTAI – EUA);
Participação e formação no programa internacional com duração de nove meses do conceito Mulligan pela Associação Internacional de Professores do Conceito Mulligan – Reino Unido;
Experiência clínica internacional.
 
 
 
Referências
Edwards, B. and Maitland, G. (2006) ‘Application of Techniques’. in Maitland’s Vertebral Manipulation. ed. by Maitland, G., Hengeveld, E., Banks, K., and English, K. Edinburgh: Elsevier Butterworth Heinemann, 213-228
Edwards, B. (2002) ‘Combined Movements of the Cervical Spine in Examination and Treatment’. in Physical Therapy of the Cervical and Thoracic Spine. ed. by Grant, R. Edinburgh: Churchill Livingstone, 159-181
Edwards, B. C. (1999) Manual of Combined Movements. 2nd edn. Oxford: Butterworth Heinemann
McCarthy, C. (ed.) (2010) Combined Movement Theory. 1st edn. Edinburgh: Churchill Livingstone Elsevier 

Leave a comment